quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Federalismo (I)

1 - Federalismo: O que é?

Federalismo é o nome de uma forma de Estado e de uma doutrina.

Como forma de estado, indica a situação da Federação, ou Estado federal, ou federado, que consiste num Estado formado pelo reunião de Estados. Quer dizer, um Estado organizado em dois níveis: no primeiro nível, vários Estados autônomos (Estados estaduais), dotados de territórios próprios, estruturas executivas, legislativas e judiciárias próprias, cada uma com competências próprias, com arrecadação tributária e disposição orçamentária próprias etc; no segundo nível, um Estado formado pela união dos Estados (Estado federal), cujo território se confunde com o dos Estados, mas cujas estruturas executivas, legislativas e judiciárias são distintas, bem como sua arrecadação tributária e sua despesa orçamentária.

Como doutrina, é uma corrente de pensamento que não apenas defende a superioridade da Federação sobre o Estado unitário como ainda prescreve as condições e características que uma Federação deve preencher e ter para dar certo. Vejamos com que argumentos desenvolve as duas linhas de pensamento.

2 - Os Argumentos da Oposição Federalismo X Unitarismo

Há dois debates com que a oposição entre federalismo e unitarismo tradicionalmente se relacionou: o debate entre centralização e descentralização, preocupado com a eficiência administrativa, e o debate entre concentração e limitação de poder político, preocupado com segurança e liberdade. Mais recentemente, a questão se inscreveu também no debate entre universalismo e multiculturalismo, preocupado com questões de indentidade cultural e de convivência intercultural. Vejamos as principais linhas de relação desses vários debates com a oposição entre estado federado e estado unitário.

a) Federalismo e Centralização/Descentralização: O Federalismo combinaria as vantagens e evitaria as desvantagens das duas estratégias isoladas. As vantagens da centralização são a unidade e coesão, sendo suas desvantangens a excessiva homogeneidade e rigidez. As vantagens da descentralização são a heterogeneidade e a adaptabilidade ao contexto, sendo suas desvantagens as tendências à dispersão e ao conflito. Segundo o Federalismo, uma federação bem projetada teria no Estado Federal seu elemento de unidade e coesão, que não degeneraria em excessiva homogeneidade e rigidez por ter que interagir com os Estados estaduais; por outro lado, teria nos Estados estaduais seu elemento de heterogeneidade e adaptação ao contexto local, que não degeneraria em dispersão e conflito porque tais tendências seriam contidas pelo Estado federal. Uma Federação bem projetada teria, assim, o necessário equilíbrio entre centralização e descentralização.

b) Federalismo e Concentração/Limitação do Poder: Assim como acontece com a repartição de poderes entre as funções legislativa, executiva e judiciária, também a repartição de poder entre unidade estadual e unidade federal seria um instrumento de controle com vista a evitar o autoritarismo e promover a liberdade. Mas como é possível diminuir o autoritarismo e aumentar a liberdade tendo dois Estados (o federal e o estadual) com autoridade sobre o cidadão, em vez de um só? É que, em tese, numa federação bem projetada, sua repartição de competências estaria feita de tal forma que, a cada vez que um deles fosse além de sua competência, estaria invadindo a competência do outro, de modo que seria do interesse de ambos fiscalizarem-se e controlarem-se reciprocamente. Dessa forma, o cidadão poderia estar mais seguro contra abusos do Estado federal, porque o Estado estadual os fiscalizaria e reagiria contra eles, e mais seguro contra abusos do Estado estadual, porque o Estado federal os fiscalizaria e reagiria contra eles. Haveria, assim, um esquema de freios e contrapesos entre Estado federal e Estado estadual.

c) Federalismo e Universalismo/Multiculturalismo: Nas sociedades modernas, marcadas por uma pluralidade de culturas e subculturas que dividem e disputam o mesmo espaço geográfico, o mesmo mercado de produção, de consumo e de emprego e o mesmo poder político, o Federalismo ganharia uma terceira função: além de combinar inteligentemente as vantagens da centralização e da descentralização, além de garantir a liberdade do cidadão mediante um sistema de freios e contrapesos entre Estado federal e Estado estadual, teria também a função de criar um ambiente intercultural de convivência, pois, numa federação bem projetada, enquanto a esfera estadual, mais próxima dos grupos culturais, estaria mais apta a refletir sua diversidade, a dar-lhes condições de expressão não reprimida de sua identidade, a esfera federal, mais distante, estaria ocupada de criar condições universais de convivência entre os diversos grupos, de modo não identificado com nenhum deles em especial, embora preocupado com todos eles em geral. Nesse contexto, o Estado estadual seria um instrumento de expressão de identidade cultural, enquanto o Estado federal seria um instrumento de construção e manutenção de condições de convivência intercultural.

Que o Federalismo desempenhe bem esse triplo papel, porém, depende da existência da tal "federação bem projetada". E é aí que os debates se acirram e que as discordâncias vêm à tona. Uma só legislação penal federal é uma questão de unidade e coesão, ou é um sintoma de excessiva homogeneidade e rigidez? A falta de interferência da administração estadual na federal, e vice-versa, é um corolário da autonomia política de uma e de outra ou é uma falta de proteção ao cidadão vitimado pela negligência política de ambos? Como devem ser repartidas as receitas tributárias? Aborto, eutanásia, pena de morte, casamento homoafetivo, adoção por homossexuais, menoridade penal: quais desses devem ser fixados aos sabor da diversidade cultural, e quais devem ser universais, como condições básicas de convivência entre todas as culturas e subculturas de um mesmo país? A discussão sobre Federalismo fica realmente interessante e instigante quando se chega nesses pontos sensíveis.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A Constituição de 1824

Declarada a Independência política do Brasil em 1822, organizou-se a partir de 1823 uma assembléia nacional constituinte, cujos trabalhos acabaram interrompidos e dissolvidos pela interferência de Dom Pedro I, que montou uma equipe, formada por pessoas de sua confiança pessoal, para elaborar um projeto, que se transformaria na Constituição outorgada de 1824, a primeira e mais duradoura das constituições brasileiras. Algumas das características principais dessa constituição eram:

A forma unitária de Estado: Ou seja, o Brasil, em vez de ser uma federação formada por vários estados, como é hoje, era um estado único ou unitário, dividido em províncias, carentes de autonomia política, e governado a partir de um governo central, sediado na capital, o Rio de Janeiro.

A forma monárquica de governo: O Brasil era oficialmente uma monarquia, cujo chefe de Estado e de governo era o Imperador Dom Pedro I, sendo sua sucessão hereditária e sua descendência considerada a Dinastia imperante.

A divisão de poderes: Adotava-se a divisão clássica de poderes, entre legislativo, executivo e judiciário, com acréscimo, ainda, de um quarto poder, o poder moderador, inspirado na sugestão, do pensador francês Benjamin Constant, de que era preciso um poder neutro, o "poder real", cuja função fosse promover a coordenação e o equilíbrio entre os demais poderes. Contudo, o poder moderador, tal como imposto pela Constituição de 1824, era bem mais que um poder neutro, coordenador e equilibrador, era um verdadeiro superpoder, dotado de prerrogativas de mando, de fiscalização e de veto sobre quase todo cargo e toda decisão dos demais poderes. Foi, na verdade uma forma de instaurar uma monarquia absolutista sob a forma disfarçada de uma monarquia constitucional.

O poder legislativo: Como o Estado era unitário, havia apenas na esfera nacional, representado na Assembléia Geral, órgão bicameral formado da Câmara de Deputados, com representantes eleitos pelo povo e com cargo temporário, e do Senado, com representantes indicados pelo Imperador e com cargo vitalício.

O poder executivo: Tinha como chefe máximo o Imperador e era também exercido, na escala nacional, pelos Ministros de Estado nomeados por ele e, na escala local, pelos presidentes das províncias, também indicados pelo Imperador entre suas pessoas de confiança e demissíveis "ad nutum".

O poder judiciário: Era exercido em três graus: os juízes monocráticos, na esfera mais local das cidades, os Tribunais de Relação, na esfera das províncias, com competência recursal e para ações de maior vulto, e o Supremo Tribunal de Justiça, com sede no Rio de Janeiro, com competência recursal e ações de foro especial.

O poder moderador: Na prática, o maior, mais poderoso e menos limitado de todos os poderes do Império. Era um verdadeiro poder absoluto, que tudo mandava, tudo controlava, tudo fiscalizava. Estava, naturalmente, concentrado nas mãos do Imperador, por quem era exclusivamente exercido.

O voto censitário: Havia vários requisitos para o exercício dos direitos políticos, entre os quais requisitos de renda: uma renda anual mínima de duzentos mil-réis para poder votar na eleição dos deputados, uma renda anual mínima de quatrocentos mil-réis para ser votado para deputado e uma renda anual mínima de oitocentos mil-réis para ser indicado, pelo Imperador, a senador. Como o requisito de renda era não apenas para votar, mas também para ser votado, seria mais exato falar em "cidadania censitária", do que apenas em "voto censitário".

Os direitos civis e políticos: O Art. 179 da Carta de 1824 elencava uma longa listagem de direitos fundamentais dos cidadãos, que incluía, no conteúdo e na terminologia adotada, vários dos direitos contantes do atual Art. 5º da CF/88. A Constituição de 1824 foi, aliás, uma das primeiras do mundo a trazer um rol tão detalhado de direitos e a dar a eles uma ênfase tão grande. Contudo, deve-se recordar que, dada a falta de limites impostos ao Poder Moderador, que implicava, na prática, num regime absolutista, tais direitos, embora explicitamente previstos e detalhadamente elencados, não constituíam uma garantia real aos cidadãos contra as possíveis interferências e abusos do Estado.