quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Neoconstitucionalismo e os Novos Papeis das Cortes Constitucionais

Esses são os slides que usei no curso "O Neoconstitucionalismo e o Novo Papel das Cortes Constitucionais: Comparação entre EUA e Brasil", que ministrei para alunos de Direito da Faculdade de Castanhal (FCAT) no último dia 5/11/2011. Podem fazer o download, ver e usar à vontade, apenas com o cuidado de citar o autor, claro.

Como se verá nos slides, no curso falei sobre como as Cortes Constitucionais do Brasil e dos EUA foram progressivamente ampliando seus próprios poderes por meio de uma série de decisões paradigmáticas, das quais selecionei, para falar em detalhes, no caso americano: Marbury v. Madison (1803 - criação do controle judicial de constitucionalidade), Brown v. Board of Education of Topeka (1954 - declaração de inconstitucionalidade da segregação racial), New York Times Co. v. Sullivan (1964 - novos parâmetros para a proteção da liberdade de expressão), Griswold v. Connecticut (1965 - reconhecimento do direito a intimidade) e Roe v. Wade (1973 - declaração de inconstitucionalidade de leis que proíbem o aborto nos primeiros dois trimestres da gravidez) e, no caso brasileiro, o HC 82.424 (2003 - caso Sigfried Ellwanger), MI 670 (2007 - reconhecimento do direito de greve dos servidores públicos), STA 278-6 (2008 - direito a medicamento não previsto na lista do SUS), ADI 3510 (2008 - constitucionalidade do Art. 3º da Lei de Biossegurança, autorizando experimentos com células-tronco em embriões inviáveis congelados há mais de 3 anos) e ADI 4277 (reconhecimento da união homoafetiva).

Espero que gostem.

A Decisão da ADI 3510 Não Foi Ativismo Judicial: Uma Abordagem a partir de Dworkin

Introdução

Nesta postagem tentarei mostrar que, à luz da teoria do Direito e da Interpretação Jurídica de Ronald Dworkin, a decisão que o STF tomou na ADI 3510 (constitucionalidade da autorização de experimentos com células-tronco embrionárias conforme o Art. 3º da Lei de Biossegurança) pode ser caracterizada, não como peça de ativismo judicial, mas como simples exemplo de exercício regular da jurisdição. Para isso, farei primeiro uma brevíssima distinção entre ativismo judicial e exercício regular da jurisdição, mostrando que a distinção depende da teoria do Direito que se tenha como pano de fundo (item 1); em seguida, listarei, de modo resumido, os pontos principais da teoria de Dworkin acerca do Direito e da Interpretação Jurídica (item 2); depois, examinarei a decisão da ADI 3510 à luz da teoria de Dworkin (item 3), divindo-a em duas rodadas de interpretação (subitens 3.1 e 3.2); por fim, concluirei que, interpretada da maneira que proponho à luz da teoria de Dworkin, a decisão se caracteriza perfeitamente como exercício regular da jurisdição, e não como ativismo judicial.

1) Ativismo Judicial e Exercício Regular da Jurisdição

Em primeiro lugar, temos que diferenciar entre juízes legislando (ativismo judicial) e juízes aplicando o direito a partir de uma interpretação mais completa e qualificada (o que não é ativismo judicial, é simples exercício regular, ainda que mais qualificado, da jurisdição, portanto, do poder legítimo que cabe ao judiciário). Tudo depende da concepção que você tem do Direito. Se você considera que o Direito é apenas um sistema de regras muito estritas, moralmente neutras, que devem ser aplicadas de maneira mais ou menos mecânica por um judiciário predominantemente passivo, então, quase tudo que se modificou na forma de interpretar e aplicar o Direito nos últimos trinta anos vai se enquadrar como ativismo judicial. Mas veja: o conceito de ativismo judicial só precisa ser assim tão amplo porque essa pessoa tem uma concepção muito restrita do que é a jurisdição regular. Se, ao contrário, considerarmos que o Direito, à maneira, por exemplo, de Dworkin, é um sistema de regras e princípios, sendo as primeiras passíveis de reinterpretação em vista de seus propósitos sociais e de seus sentidos de justiça e os últimos abertos e abrangentes, capazes de dar orientações de moralidade política à atividade jurisdicional, então, boa parte do que se modificou nos referidos últimos trinta anos não vai mais precisar ser enquadrado como ativismo judicial, porque estará no âmbito do exercício regular, embora mais amplo e qualificado, da própria jurisdição. Aqui novamente: o conceito de ativismo judicial se tornará bem mais restrito, porque a concepção do que é a jurisdição regular se tornou mais ampla. A conclusão a que quero chegar com isso é a seguinte: Antes de saber o que é ou não ativismo judicial (o judiciário numa função anômala), temos que saber o que é jurisdição regular (o judiciário na função normal), o que sempre depende de com qual concepção de ordenamento jurídico, de interpretação e aplicação do Direito e de exercício da jurisdição estamos lidando. É impossível para um positivista como Kelsen, Hart ou Bobbio e para um interpretativista como Dworkin terem a mesma concepção do que se enquadra como ativismo judicial, uma vez que eles não têm a mesma concepção sobre o que é o direito, sobre como se interpreta e se aplica o direito e sobre o que é o exercício regular da jurisdição. Ou seja: não é possível ter uma concepção puramente fática e teoreticamente neutra (isto é, independente da teoria do direito com que se trabalha) do ativismo judicial.

2) As Teses da Teoria de Dworkin


Feita esta observação, partamos de Dworkin (a teoria do direito que me parece hoje a mais ampla e adequada). Para Dworkin, uma decisão como a da ADI 3510 não teria sido "ativismo judicial", e sim simples exercício regular da jurisdição. Vejamos como. Primeiro, as teses da teoria de Dworkin:
 
- O sistema jurídico está comprometido com uma norma fundamental de justiça: a norma do igual respeito (que preserva a liberdade de cada um) e da igual consideração (que promove a igualdade entre todos);
 
- O modo como o sistema jurídico realiza e mantém esse compromisso se chama integridade: a integridade é a característica de uma comunidade política pela qual se espera que ela trate casos iguais de maneira igual e ao mesmo tempo realize para cada um deles sua concepção mais desenvolvida de justiça;
 
- O sistema jurídico é um sistema formado de regras e princípios: regras são normas que se aplicam segundo a lógica do tudo ou nada (um caso ou está regulado por certa regra ou não está; em caso de conflito entre regras, ou uma excepciona a outra ou uma exclui a outra do ordenamento jurídico), enquanto princípios se aplicam segundo a lógica do mais e menos (um caso pode estar mais ou menos relacionado a certo princípio; em caso de conflito entre princípios, um toma precedência sobre o outro naquele caso em particular, mas não o exclui do ordenamento jurídico); os princípios estão vinculados a uma ideia de justiça, a saber, à norma fundamental do igual respeito e da igual consideração; o uso dos princípios na interpretação e na aplicação do direito é o que permite a uma comunidade política a manutenção da sua integridade;
 
- Os princípios não são uma lista exaustiva: é sempre possível descobrir novos princípios; mais ainda: eles não são apenas aquelas normas listadas explicitamente como princípios no ordenamento jurídico; pelo contrário, dado o papel reconstrutivo e hermenêutico que os princípios desempenham na teoria de Dworkin, eles podem ser entidas teóricas criadas pelo intérprete no momento da interpretação, desde que apresentam "ajuste institucional" e "apelo moral" (explico esses dois requisitos no item abaixo); portanto, pode ser um princípio a norma "é livre a expressão do pensamento e vedada a censura", mas pode ser também, como em Brown v. Board, o critério "raça é um critério suspeito de seleção entre seres humanos, dada sua histórica vinculação com o preconceito";
 
- Além disso, os princípios encarnam direitos e têm o status de "trunfos" dos indivíduos contra metas socialmente relevantes, ou seja, os princípios são aquilo que garante que cada pessoa será tratada segundo a norma fundamental de igual respeito e igual consideração mesmo quando houver fins sociais relevantes (desenvolvimento econômico, segurança nacional, erradicação da miséria, combate à discriminação etc.) que recomendariam a violação do direito daquela pessoa; ou seja, na hora em que os fins coletivos ameaçarem o igual respeito e a igual consideração por certa pessoa, esta pessoa pode "sacar" o seu direito como um "trunfo" que permite que ela se proteja dessa ameaça; nisso se baseia a distinção dworkiniana entre argumentos de princípio (fundados em pretensões de justiça e que configuram direitos) e argumentos de política (fundados em metas sociais relevantes e que não configuram direitos - pelo contrário, configuram aquilo contra o que os direitos protegem os indivíduos); por isso, para Dworkin, o judiciário só pode decidir com base em argumentos de princípio, nunca em argumentos de política;
 
- Na interpretação do direito, o jurista deve proceder por meio do seguinte esquema teórico: (a) dado um histórico de decisões legislativas e judiciais do passado, deve-se encontrar um princípio ou conjunto de princípios capaz de explicar as decisões tomadas até aqui (esse é o requisito de ajuste institucional da interpretação); (b) se o histórico de decisões é explicável por mais que um princípio ou por mais que um conjunto de princípios, então os princípios ou conjuntos de princípios em questão gozam do mesmo ajuste institucional, sendo necessário decidir entre eles por outro critério, a saber, qual deles realiza a uma concepção moralmente mais atraente (esse é o requisito de apelo moral); deve-se atentar para o fato de que o requisito do apelo moral não se refere à moralidade da convicção íntima de cada juiz, mas a uma moraidade pública realiza nas instituições, em última instância, à melhor versão da norma fundamental do igual respeito e da igual consideração;
 
- As decisões, portanto, têm que manter entre si uma coerência; mas essa coerência não é uma coerência de resultados, do tipo que prescreve que as decisões posteriores têm que ser iguais às decisões anteriores para o mesmo tipo de caso (pois, nesse caso, a decisão de Brown v. Board teria que ser a mesma de Plessy. Ferguson); essa coerência, ao contrário, tem que ser uma coerência de princípio, do tipo que prescreve que uma decisão posterior têm que recorrer aos mesmos princípios a que as decisões anteriores para os mesmos casos recorreram (coisa que Brown v. Board faz em relação a Plessy v. Ferguson, pois ambos os casos recorrem ao princípio da igualdade de tratamento, insculpido na 14ª Emenda), mesmo que, agora, esses princípios estejam reinterpretados à luz de uma concepção mais atraente de sua relação com a norma fundamental do igual respeito e da igual consideração (exatamente o que ocorre em Brown v. Board, pois, agora, o igual tratamento é visto como uma igualdade que exclui critérios de desigualamento baseados no preconceito, o que é exatamente o caso do critério raça no caso das escolas públicas sulistas).
 
3) Exame da Decisão da ADI 3510 à luz da Teoria de Dworkin

Agora, de posse dessas teses, voltemos nossa atenção para a decisão da ADI 3510. Vou tomar aqui o exemplo da ADI 3510 para mostrar como uma decisão como essa pode, à luz da teoria de Dworkin, ser mostrada como simples exercício regular da jurisdição (isto é, da jurisdição tal como Dworkin a concebe), e não como peça de "ativismo judicial".

3.1) 1ª Rodada de Interpretação: Os Embriões São Seres Humanos e Têm um Direito Absolutamente Inviolável à Vida?

A ADI 3510 tinha que decidir se o status de ser humano se aplicava aos embriões inviáveis congelados a mais de 3 anos, se isso lhes dava direito à vida e se esse direito justificava que o art. 3º da Lei de Biossegurança fosse declarado inconstitucional;

Ora, seguindo o critério de Dworkin, qual seria o "histórico de decisões" com o qual teríamos que lidar para este caso? Vamos separar os elementos desse histórico, usando a letra H para "histórico":

- H1: a CF atribui direitos fundamentais a todo ser humano;

- H2: o CC diz que põe a salvo os direitos do nascituro;

- H3: o CP proíbe o aborto, salvo em duas hipóteses restritas;

- H4: o CC faz claramente uma distinção entre o status do titular de direitos antes e depois do nascimento;

- H5: a CF prevê a possibilidade de uma pena de morte, ainda que seja no regime de exceção de um Estado de guerra declarada;

- H6: o CP, recepcionado pela CF, contém as hipóteses da legítima defesa, do estado de necessidade, do aborto necessário e do aborto caridoso, todos eles sendo exceções à proteção à vida.

Sendo assim, poderíamos, se quiséssemos interpretar a decisão do STF a partir da teoria de Dworkin, dizer que o STF tinha diante de si os seguintes candidatos a princípios explicativos desse histórico de decisões (usando a letra P para "princípio"):

- P1: embriões são seres humanos e têm um direito à vida absolutamente inviolável;

- P2: embriões são seres humanos e têm um direito à vida relativamente inviolável;

- P3: embriões são seres humanos e não têm, contudo, nenhum direito à vida;

- P4: embriões não são seres humanos e, portanto, não têm direito à vida.

Submetendo os candidatos de P1 a P4 ao primeiro critério de decisão (o ajuste institucional), teríamos que ver qual deles é capaz de explicar mais e melhor o histórico de decisões do passado de H1 a H6. Vejamos, então:

- P1 explica bem, por um lado, H1, H2 e H3 (porque reconhece status humano e direito à vida aos embriões), mas não explica bem H4, H5, H6 (porque considera o direito à vida absolutamente inviolável): logo, tem ajuste institucional mediano;

- P2 explica bem tanto H1, H2 e H3 (porque reconhece status humano e direito à vida aos embriões), quanto, do outro lado, H4, H5 e H6 (porque considerada o direito à vida apenas relativamente inviolável): logo, tem total ajuste institucional;

- P3 explica bem H4, torna H5 irrelevante para o caso, explica as hipóteses de aborto em H6, explica bem H1, mas não explica bem H2 e H3: logo, tem ajuste institucional mediano;

- P4 explica bem apenas as hipóteses de aborto de H6, torna irrelevante H5 e não explica bem nenhum dos outros itens H1, H2, H3 e H4: logo, tem baixíssimo ajuste institucional;

Em Dworkin, esse primeiro estágio já nos revelaria que apenas P2 ("embriões são seres humanos e têm um direito à vida relativamente inviolável") tem ajuste institucional total. Sendo assim, P2 deveria ser o princípio escolhido.

Uma vez que P2 é o princípio à luz do qual a ADI 3510 teria que ser decidida, o principal fundamento dos que pediram a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º da Lei de Biossegurança, a saber, que embriões são seres humanos e seu direito à vida é absolutamente inviolável (uma alegação que, sendo coincidente com o já testado princípio P1, já se viu que não tem o ajuste institucional necessário), teria que ser rejeitado.

3.2) 2ª Rodada de Interpretação: O Direito Relativamente Inviolável à Vida dos Embriões Pode Ser Violado para Autorizar Pesquisas com Células-Tronco Embrionárias?

Restaria saber se, sendo o direito à vida que P2 assegura aos embriões apenas relativamente inviolável, se justificaria violá-lo em vista dos possíveis benefícios da pesquisa científica com células-tronco embrionárias, as quais, no atual estado da ciência, prometem a cura ou mitigação de doenças gravíssimas que atualmente atingem milhões de seres humanos e não têm qualquer tratamento eficaz. Isso inaugura uma segunda rodada de interpretação.

O histórico de decisões do passado relevantes para essa nova rodada de interpretação (ou seja, as decisões do passado que se referem à possibilidade de violação do direito à vida) agora é o seguinte:

- H1: a CF prevê a possibilidade de pena de morte (de adultos), em caso de guerra declarada;

- H2: o CP permite violar o direito à vida (de adultos) nos casos de legítima defesa e estado de necessidade;

- H3: o CP permite violar o direito à vida (de fetos) no caso de aborto necessário

- H4: o CP permite violar o direito à vida (de fetos) no caso de aborto caridoso;

O rol de candidatos a princípios neste nova rodada seria:

- P1: o direito à vida só pode ser violado para salvar outra vida de modo imediato e real;

- P2: o direito à vida só pode ser violado para salvar outra vida, mesmo que de modo mediato e potencial;

- P3: o direito à vida pode ser violado para salvar a vida ou outro direito relevante;

- P4: o direito à vida pode ser violado para realizar qualquer finalidade (sendo um direito ou não) socialmente relevante;

- Submetendo agora esses candidatos a princípios explicativos ao teste do ajuste institucional:

- P1: explica H2 (parcialmente) e H3, não explica H1 e H4: ajuste institucional mediano;

- P2: explica H2 (parcialmente) e H3, não explica H1 e H4: ajuste institucional mediano;

(Obs: P1 e P2 explicam H2 apenas parcialmente porque só explicam a violação do direito à vida no caso da legítima defesa quando o direito que estava sendo ameaçado pelo agressor também for a vida; casos em que o agredido estava se defendendo, por exemplo, de estupro, de lesão corporal grave ou de roubo não poderiam ser explicados por P1 e P2; agora, continuando:)

- P3: explica H2 (integralmente), H3 e H4, e explica H1 caso a pena de morte seja para punir violação de direito: ajuste institucional alto ou (dependendo do caso de H1) total;

- P4: explica H2, H3 e H4, e explica H1 inclusive se a pena de morte for contra deserção, traição, revelação de segredo militar, espionagem etc.: ajuste institucional total.

Aparentemente, ter-se-ia que optar por P4. Contudo, P4 viola a ideia dworkiniana de direitos como trunfos e a distinção entre argumentos de princípio e de política (ver explicação lá em cima). Sendo assim, P4 não pode ser usado como princípio e teríamos que recorrer ao princípio que, à exceção de P4, tem melhor ajuste institucional, ou seja, P3.

Usando P3 ("o direito à vida pode ser violado para salvar a vida ou outro direito relevante") vemos que um outro argumento em favor da possível inconstitucionalidade do Art. 3º da Lei de Biossegurança, a saber, o argumento de que o direito à vida só pode ser violado se for para salvar outra vida de modo imediato e real (o qual, coincidindo com o conteúdo do já testado princípio P1, vimos que tem ajuste institucional menor do que P3), também teria que ser descartado. Na medida em que os possíveis resultados futuros das pesquisas com células-tronco embrionárias podem vir a salvar vidas (embora de modo mediato e potencial) ou melhorar a condição de saúde (outro direito relevante) de muitas outras pessoas, a violação ao direito à vida dos embriões inviáveis congelados há mais de 3 anos é perfeitamente justificada; logo, não deve ser declarada inconstitucional;

Por fim, poder-se-ia perguntar: Porém, se, nesta segunda rodada de interpretação, P3 ("o direito à vida pode ser violado para salvar a vida ou outro direito relevante") é o princípio que melhor explica as hipóteses autorizadas de violação do direito à vida no histórico de decisões anteriores, a possibilidade dos experimentos para pesquisas com células-tronco embrionárias não deveria, então, ser estendida aos embriões em geral, em vez de apenas aos embriões inviáveis congelados há mais de três anos? Pois não há nada em P3 que obrigue a uma consideração sobre viabilidade ou não dos embriões nem sobre tempo de congelamento. Por que, então, manter essa restrição, em vez de autorizar aqueles experimentos com todos os embriões, viáveis ou não, congelados a mais ou a menos que três anos? A resposta é que, uma vez que a questão examinada pelo STF foi sobre a constitucionalidade do Art. 3º do modo como ele está formulado, declará-lo como constitucional está dentro do âmbito da decisão em questão e não viola a separação de poderes, ao passo que estendê-lo para além dos limites de sua formulação original configuraria legislação positiva pelo judiciário e violaria a separação de poderes. Daí poderíamos dizer: no Art. 3º da Lei de Biossegurança, a parte (1), relativa à violação do direito à vida de embriões em nome de possíveis benefícios à vida e à saúde a partir de experimentos com células-tronco embrionárias, se justifica com base em P3, enquanto a parte (2), relativa à restrição de que tais embriões sejam apenas os inviáveis e congelados há mais que três anos, se justifica com base noutros dois princípios, a saber: o da soberania popular (exigindo que se respeite a decisão do legislativo eleito, quando esta for constitucional) e o da separação dos poderes (exigindo que o judiciário não eleito não legisle positivamente).

Conclusão

Creio que, explicada dessa forma, a decisão da ADI 3510 possa ser considerada simplesmente um exemplo de exercício regular da jurisdição (desde que esta seja concebida no modelo de Dworkin), e não uma peça de ativismo judicial.