quarta-feira, 4 de março de 2009

Explicação e justificação

Há uma distinção lógica bastante conhecida entre explicação e justificação: na explicação se procura mostrar por que e como alguma coisa aconteceu (suas causas factuais), enquanto na justificação se procura mostrar por que e como alguma coisa é correta (suas razões normativas). Se, digamos, alguém oferece uma carona a outra pessoa por puro interesse pelo que esta outra pode fazer por ela no futuro, é possível, no plano da explicação, mostrar que ela fez isso movida por interesse pessoal e, no entanto, no plano da justificação, mostrar que o ato de oferecer uma carona é correto como ato de generosidade. Ela realizou um ato altruísta (oferecer carona) movida por um interesse egoísta (obter vantagem para si), o que torna a conduta (esse conjunto de ato mais intenção) egoísta e moralmente incorreto.

Da mesma maneira, num evento como a abolição da escravidão no Brasil, é possível ao mesmo tempo dizer, no plano da explicação, que foi um ato da Coroa brasileira cedendo a pressões internacionais, especialmente da Inglaterra, que estava interessada na afirmação do capitalismo e na formação de um mercado consumidor mais amplo no Brasil, e dizer, no plano da justificação, que a abolição da escravidão é correta, uma vez que a escravidão submete um ser humano a outro de modo que viola sua liberdade e ofende sua dignidade pessoal. Quer dizer, para que a abolição da escravidão tenha sido correta, não é necessário que o motivo desse ato tenha sido a intenção de proteger a liberdade e a dignidade dos escravos. Basta que ela se justifique moralmente como afirmação dessa liberdade e dignidade.

É por isso que se deve olhar com cuidado argumentos de crítica aos direitos humanos que dizem que tal ou tal direito só serve para atender a tal e tal interesse. Isso é até possivelmente verdadeiro em certos casos, pelo menos no sentido de que a adoção desses direitos em tratados internacionais e cartas constitucionais geralmente está ligada à satisfação de interesses e objetivos que são estranhos ao plano moral e que se enraizam mais diretamente no plano político, econômico, militar e diplomático. Contudo, mesmo que seja de fato assim, isso não torna o direito assim afirmado nem um pouco mais nem um pouco menos valioso que antes. Isso porque o seu valor, especialmente o seu valor moral, não tem a ver com os motivos pelos quais os Estados os adotam ou reconhecem, e sim com as razões pelas quais podemos dizer que estão corretos. Ora, se é possível defendê-los ou sustentá-los à luz de argumentos morais, então são moralmente corretos, independentemente dos motivos mais amorais ou mesmo imorais que possam ter tido aqueles que os propuseram ou realizaram juridicamente.

2 comentários:

karlasilame disse...

Gostaria que você analisasse a seguinte questão de uma prova para concurso:
"Gauguin lembra um ponto crucial:os novos sistemas de comunicação que permitem, por exemplo, o trabalho a distância não produziram os seus efeitos sobre a estruturação de territórios ....entre cidade e campo"
Os dois pontos (:) são usados para mostrar que a relação entre ideias entre as duas orações é de
A)Jusitificativa
B)Explicação

Obrigada desde já se puder me esclarecer essa dúvida.

Anônimo disse...

Bom, a frase tem a seguinte estrutura:

Gauguin lembra que X, e X é um ponto crucial.

Mas a inverte na forma:

Gauguin lembra um ponto crucial: X.

Portanto, o que vem depois dos dois pontos é apenas um aposto, que desenvolve o "um ponto crucial", anunciado na frase anterior. Não se trata de justificativa, pois a frase depois dos dois pontos não justifica por que Gauguin disse aquilo nem por que aquilo é um ponto crucial, apenas informa qual foi o ponto que Gauguin lembrou. Assim, se tivesse que optar entre justificação e explicação, optaria por essa última, embora pense que o que a segunda frase faz é mais bem explicado pela noção de esclarecimento, desenvolvimento, explicitação ou complementação que pela noção de explicação.