segunda-feira, 15 de junho de 2009

Inconstitucionalidade da decisão da ADI 3510 por usurpação da soberania popular

Penso que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 3510, que considerou constitucional o art. 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05), permitindo, assim, a utilização, para fins de pesquisa e terapia, de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, é inconstitucional.

Não que eu defenda a intangibilidade do direito à vida de embriões inviáveis congelados há mais que três anos, posição que, aliás, me parece absurda o bastante para só receber adesão de fanáticos religiosos.

Chego àquela conclusão porque a declaração de inconstitucionalidade de uma lei em confronto com texto da constituição, em sede de controle concentrado e abstrato (Art. 102, I, a, CF), pressupõe, para não extrapolar os limites de legitimidade do poder judiciário, num Estado democrático de direito (Art. 1º, caput, CF) regido pelo princípio republicano da soberania popular (Art. 1º, parágrafo único, CF), que o texto com que se confronta a lei em questão não contenha conceitos cujo sentido seja tão incerto e disputado que qualquer tentativa de concretizá-los e torná-los consensuais na instância judicial desborde inevitavelmente em usurpação do exercício da soberania popular.

E, a meu ver, é exatamente isso que ocorreu no caso em questão, uma vez que estava em jogo o sentido e a extensão do direito à vida (Art. 5º, caput, CF, c/c Art. 2º, in fine, CC) matéria que desperta fortes controvérsias entre distintos setores da sociedade brasileira, de modo que, quer o STF tivesse decidido que o direito à vida se estende ao embrião humano produzido por fertilização in vitro, quer tivesse decidido que não se estende, em ambos os casos teria tomado uma decisão que somente a própria sociedade poderia tomar.

E deveria tomar, de preferência de modo direto, por via de referendo (Art. 14, II, CF, e Art. 2º, §2º, da Lei nº 9.709/98) ao dispositivo em questão, oportunidade em que, ao longo de campanha em rádio e TV, os distintos posicionamentos a respeito do tema poderiam ser adequadamente expostos e debatidos a ponto de formar uma decisão popular informada e legítima para essa controvérsia.

Parece-me que, para permanecer no estrito limite de sua competência judicial, o STF deveria ter suspendido liminarmente a vigência do Art. 5º da Lei nº 11.105/05 e emitido, ex officio, ao Congresso Nacional, "mandado" (semelhante àquele que parte da doutrina considerou por bom tempo ser possível no caso do mandado de injunção) de apreciação de proposta de referendo, para que este, no exercício de sua competência exclusiva (Art. 49, XV, CF), o autorizasse.

(Tal "mandado" violaria o Art. 3º da Lei nº 9.709/98, que estabelece que o referendo deve ser proposto por um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, o que, a meu ver, poderia ser superado por uma hermenêutica constitucional que interpretasse o referido dispositivo de modo a ajustar-se melhor ao Art. 1º, parágrafo único, da CF, vendo a convocação do referendo, de que fala o artigo, como um dever do Poder Legislativo, o qual, se não observado, pode ser objeto de controle judiciário, sob pena de insegurança ao Estado democrático de direito, justificando-se também assim sua emissão ex officio, e de modo a relativizar, em nome da razoabilidade, o prazo de trinta dias, a contar da promulgação de lei ou adoção de medida administrativa, de que fala o Art. 11 da mesma Lei nº 9.709/98).

Na minha opinião, a decisão do STF no caso em questão (com a qual, deixe-se claro, até concordo) só teria legitimidade democrática se resultasse de manifestação popular por meio de referendo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Pospositivismo?

Diz-se que o Direito vive hoje uma era pospositivista. Quem o diz geralmente caracteriza o positivismo jurídico como uma teoria que concebe o direito como um conjunto de regras prévias emanadas do poder legislativo e desvinculadas de qualquer senso moral ou político, às quais o juiz se limitaria a relacionar os casos concretos que julgasse, a fim de extrair, por subsunção, a solução, única e certa, já preconfigurada para ele no sistema jurídico. Para essa mesma pessoa, como o Direito hoje passou a valorizar, além das regras, os princípios; passou a levar em conta o peso moral e político das normas; passou a ver o papel do juiz como interpretativo e criativo; e passou a admitir a possibilidade de várias soluções para o mesmo caso, restaria diagnosticar que o tempo do positivismo jurídico teria passado. É preciso, contudo, ver que essa caracterização do positivismo jurídico é polêmica, não no sentido de ser contestada e contestável (embora o seja), mas no sentido de servir apenas ao propósito de crítica ao juspositivismo, acentuando nele ou adicionando a ele elementos que não eram centrais em sua formulação original e que apenas ganharam destaque para fazer dele um conveniente pano de fundo de contraste com as teorias mais recentes.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Direito à Vida - Aborto

Antes de tudo, posicionar-me: Sou favorável ao aborto, até o terceiro mês da gravidez, para todos os casos e sem necessidade de justificação do motivo por parte da mãe. Contudo, nessa postagem não vou defender minha posição, e sim mostrar qual o estado do debate atual sobre a questão, evidenciando argumentos das posições liberal, conservadora e moderada.

Posição Liberal: Aborto liberado para qualquer caso, em qualquer fase da gravidez.

Linhas argumentativas:

1. Corpo da mulher como propriedade sua e feto como parte do corpo. É a posição libertária. O corpo da mãe é visto como sua propriedade, e o feto é visto ou como um elemento dessa propriedade, da qual ela pode dispor livremente, ou como um instruso nessa propriedade, que a mãe tem direito de expulsar.

2. Feto como não-pessoa. O fato de ser consciente, sensível à dor, racional, comunicativo etc. é visto como essencial para que algo seja classificado como uma pessoa e seja merecedor de respeito na comunidade moral. O feto, não tendo qualquer dessas características, falha em ser uma pessoa e, portanto, nenhum direito está sendo violado quando esse feto é morto.

Posição Conservadora: Aborto proibido para qualquer caso, em qualquer fase da gravidez.

Linhas argumentativas:

1. Feto como individualidade humana e pessoa moral. É a posição da Igreja Católica (posição que, é bom enfatizar, hoje em dia se tornou independente de considerações sobre o momento da infusão da alma no corpo vivo). Considera-se que, formado o zigoto, dotado de individualidade genética própria, já se tem um ser humano único, cuja vida é sagrada e não pode ser sacrificada em caso algum (nem mesmo para salvar a vida da mãe, segundo argumentam, pois não pode haver "legítima defesa" a não ser contra quem perpetra injusta agressão, caso ao qual o do feto não pode ser equiparado).

2. Eliminação da expectativa de vida humana. É um argumento laico em contrário ao aborto. Argumenta-se que não é possível tirar de um ser humano o que ele já viveu, mas apenas o que ele ainda está por viver. Sendo assim, todo assassinato é, de alguma forma, uma eliminação da expectativa de vida humana por ser vivida no futuro. Ora, nesse sentido, não há diferença entre a situação do feto e a situação de um ser humano adulto: ambos têm, quanto às expectativas de viver, expectativa de uma vida humana. Não haveria, portanto, diferença entre aborto e assassinato.

Posição Moderada: Aborto permitido até certo ponto da gravidez.

Linhas argumentativas:

1. Semelhança à pessoa. Conforme o feto se desenvolve, vai tomando feições e desenvolvendo capacidades que o tornam cada vez mais semelhante a uma pessoa, motivo por que o tornam também um ser cada vez mais merecedor do mesmo tipo de respeito que se deve a qualquer pessoa. Por isso, o aborto seria permitido, desde que nos primeiros meses de gravidez, ali quando se apresenta como pouco mais que um método contraceptivo entre outros, mas não nas fases finais, quando mais se assemelha a um infanticídio.

2. Objeto de cuidado, respeito e culpa. Acredita que não basta ter uma comunidade moral em que os seres que são pessoas plenas não sejam inocentemente levados à morte, mas é preciso também que os seres que não se encontram na condição de pessoa plena, mas que inspiram, por alguma razão, nossa especial consideração e respeito, sejam equiparados a pessoas para fins de tratamento. Assim como uma verdadeira comunidade moral atribui direitos a idosos, loucos e comatosos, uma verdadeira comunidade moral atribui direitos ao feto desenvolvido, não permitindo sua morte senão nos primeiros momentos da gravidez, quando ainda não inspira em nós aquela mesma consideração.

(Para a composição dessa postagem, foi especialmente importante a leitura do verbete "Aborto" no Dicionário de Ética e Filosofia Moral, originalmente produzido por professores franceses e editado pela PUF, traduzido e editado em português pela Unisinos e que recomendo a todos que querem ter ao mesmo tempo uma excelente perspectiva histórica e um belo quadro atual da discussão sobre uma série de conceitos, escolas e idéias chave da Filosofia Moral contemporânea.)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

RESUMO SOBRE OBJETIVOS BÁSICOS DA RFB

Objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária: reconhece que a sociedade brasileira é marcada pela opressão do Estado, do mercado, da carência e da violência, pelas injustiças sociais e regionais e pelo sentido de individualismo e de indiferença pelos problemas de outros indivíduos ou grupos, mas se compromete com a construção de uma sociedade que contenha, na maior medida possível, aquelas formas de opressão; que erradique ou reduza, na maior medida possível, aquelas injustiças; e que transforme, na maior medida possível, aquela indiferença em solidariedade cultural, social e econômica entre indivíduo e grupos.

Objetivo de garantia do desenvolvimento nacional: reconhece o Brasil como um país subdesenvolvido (ou em desenvolvimento) nos aspectos econômico, científico, social, cultural, ambiental etc., mas se compromete com planos e ações que garantam o desenvolvimento nacional em todos aqueles aspectos e dimensões.

Objetivo de erradicação da pobreza e da marginalização: reconhece o Brasil como uma sociedade em que amplas faixas da população estão em situação de pobreza (carência e escassez, e não só em sentido econômico) e de marginalização (exclusão e impossibilidade de pleno acesso a bens e serviços essenciais e de pleno desenvolvimento de sua personalidade, novamente não só em sentido econômico), mas se compromete com a erradicação ou mitigação de ambas, na maior medida possível.

Objetivo de redução das desigualdades sociais e regionais: reconhece que o Brasil possui profundas e extremas desigualdades entre as rendas, os recursos, os bens e os serviços disponíveis a certos grupos sociais e apenas parcialmente disponíveis ou mesmo indisponíveis para outros (sendo aqui importante destacar as desigualdades entre ricos e pobres, mas também entre homens e mulheres, entre brancos, mestiços, negros e índios, entre os possuidores de distintos níveis de instrução educacional, entre os fiéis de distintas religiões etc.), bem como profundas desigualdades entre as rendas, os recursos, os bens e os serviços disponíveis em certas regiões e apenas parcialmente disponíveis ou mesmo indisponíveis em outras (sendo aqui importante destacar as desigualdades entre norte e sul do país, mas também entre cidade e campo, entre litoral e sertão, entre capitais e interior dos estados, entre centro e periferia nas grandes cidades etc.), mas se compromete com planos e ações tendentes a reduzir, na maior medida possível, essas desigualdades, o que frequentemente implicará numa atenção e mesmo num tratamento especial dispensado aos grupos e regiões desfavorecidos.

Objetivo de promover o bem de todos, sem preconceitos ou discriminações: fixa o compromisso de, nos planos e ações do Estado, visar a resultados que possam ser igualmente bons para todas as regiões, todos os grupos e todos os indivíduos (mesmo se favorecerem a alguns mais que a outros) e de não apenas não reforçar preconceitos e praticar discriminações, mas combatê-los, seja preventiva, seja repressivamente.

RESUMO SOBRE FUNDAMENTOS DA RFB

Princípio republicano: fixa o Brasil como uma república e consagra a exigência de que os cargos públicos políticos sejam exercidos segundo os requisitos de responsabilidade, eletividade e temporariedade.

Princípio federativo: fixa o Brasil como uma federação (com cláusula de indissociabilidade, que exclui a hipótese de secessão, sujeita à intervenção federal) e consagra a exigência de que a União e os Estados tenham órgãos próprios e independentes para os poderes executivo, legislativo e judiciário, tenham serviços e competências próprias e independentes e tenham receitas e orçamentos próprios e independentes.

Princípio do Estado democrático de direito: fixa o Brasil como um Estado democrático de direito, o que significa associar as exigências de soberania popular do Estado democrático com as exigências de limitação do poder estatal do Estado de direito, adicionando ainda a exigência de que o Estado tenha um papel ativo na promoção de uma sociedade livre, justa e solidária e na realização dos direitos individuais e coletivos.

Princípio da soberania: fixa o Brasil como um Estado soberano, o que quer dizer que está acima de todo outro poder ao nível interno (superioridade interna), e não está abaixo de nenhum outro poder ao nível externo (independência externa).

Princípio da cidadania: fixa, como complemento da soberania do Estado, a cidadania do indivíduo, enunciada aqui não apenas no sentido de posse de direitos políticos (de votar e ser votado), mas também como titularidade da soberania popular e de direitos fundamentais (cidadania como direito a ter direitos, Hannah Arendt).

Princípio da dignidade da pessoa humana: fixa que toda pessoa será tratada com o respeito devido a um ser humano dotado de razão, livre-arbítrio e autonomia, de modo que jamais seja instrumentalizado como coisa para os fins do Estado ou de outros indivíduos (Immanuel Kant) nem seja reduzido a uma situação tal de violação aos seus direitos básicos, individuais ou sociais, que seja ofendido na sua condição de ser humano.

Princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa: fixa que, no que se refere aos assuntos econômico-sociais, o Brasil nem é um Estado socialista de economia planificada (o que ofenderia o valor social da livre iniciativa, que deixaria de existir ou seria severamente restringida), nem é um Estado liberal de mercado não regulado (o que ofenderia o valor social do trabalho, que se tornaria simples mercadoria como outra qualquer e estaria passível de ser superexplorado), mas é, sim, um Estado social (welfare
state), que intervém em setores econômicos estratégicos, para garantir o desenvolvimento e evitar crises sistêmicas, e em setores sociais, para evitar a desassistência e a superexploração e combater a pobreza, a marginalização e a desigualdade, mantendo, assim, certo equilíbrio entre liberalismo e socialismo.

Princípio do pluralismo político: fixa que a democracia brasileira deve abrigar não só uma pluralidade de partidos políticos (pluripartidarismo), mas também uma pluralidade de grupos, de interesses e de vozes que possa participar da formação da vontade estatal e ser levada em conta nos planos e ações do Estado (o que exclui a possibilidade de que um grupo ou partido se aproprie de todos os cargos e de todas as esferas de decisão e de administração em qualquer setor da política nacional, bem como que certos grupos ou partidos sejam sistematicamente ignorados, excluídos, explorados ou discriminados na formação da vontade política).

Princípio da separação dos poderes: fixa que o legislativo, o executivo e o judiciário são funções independentes e harmônicas entre si, sendo o requisito de independência uma exigência de que não exista interferência de uma delas nas decisões que são próprias da outra (embora deva haver fiscalização e controle de uma sobre a outra) e sendo o requisito de harmonia uma exigência de que as atividades de uma não rompam continuidade nem entrem em conflito com as atividades da outra.

terça-feira, 31 de março de 2009

Princípio Republicano: a Temporariedade

Dedicado às turmas 3BDIN1 e 3BDIN2, da FCAT

O chamado princípio republicano, estampado no caput do Art. 1º da CF/88, traz consigo uma tripla exigência: responsabilidade, eletividade e temporariedade dos cargos públicos políticos. Tais requisitos não são unívocos no seu sentido, porque podem ser vistos segundo distintas perspectivas políticas. Hoje comentarei sobre o requisito da temporariedade, em torno do qual passei recentemente uma atividade para minhas turmas da noite de Direito Constitucinal II, na Faculdade de Castanhal. Espero que seja útil também, é claro, para meus outros visitadores.

Temporariedade significa que os cargos públicos políticos têm mandatos temporários, e não vitalícios. Assim, tais mandatos têm marco inicial numa eleição e marco final na eleição seguinte. Os motivos clássicos que a teoria democrática fornece para essa exigência são dois: fornecer uma instância de controle democrático posterior sobre o modo de exercício do mandato político e fomentar a variabilidade das pessoas e grupos que exercem o poder político. Vejamos cada um dos dois argumentos.

Argumento do controle democrático posterior: Esse argumento se apóia na teoria do controle democrático, que é parte da chamada teoria das elites (uma teoria que faz parte do modelo liberal de democracia). Segundo a teoria das elites, numa democracia de massas não é possível que todos governem, de modo que quem governará de fato será uma elite (no sentido de ser um pequeno grupo que ocupa os cargos importantes e detém o poder político, e não no sentido de ser uma elite econômica, cultural, racial etc.), a qual, porque estará interessada em manter-se no poder, assumirá certos compromissos com a massa do eleitorado (do contrário, não será eleita uma primeira vez) e cumprirá pelo menos parte desses compromissos durante o seu mandato (do contrário, não será eleita novamente). Tomando essa teoria como verdadeira, a temporariedade viria como uma modalidade posterior de controle democrático: enquanto a escolha dos candidatos cujos compromissos de campanha estão em maior conformidade com os interesses do eleitorado seria um primeiro ato de controle democrático, anterior ao mandato, a temporariedade do mandato asseguraria que em breve o candidato seria exposto a uma nova eleição, isto é, a um segundo controle democrático, posterior ao mandato, criando para ele, assim, a perspectiva constante de que será reavaliado e de que precisará cumprir no menor tempo possível e na maior medida possível com seus compromissos de campanha. Assim, para que o detentor de um cargo público político fosse submetido a esse controle democrático posterior, é preciso apenas que seu cargo seja temporário e que ele seja submetido a uma nova eleição.

Argumento da variabilidade do titular do poder político: Segundo uma antiga lição do republicanismo, numa democracia saudável existe revesamento ou rotatividade de quem são as pessoas encarregadas do exercício do poder político. Tal revesamento ou rotatividade deveria estar presente até mesmo quando o mandato político é bem exercido, porque não se trata de variar para mudar o que vai mal, e sim de variar para manter o equilíbrio e o pluralismo com que se exerce o poder político. Quando uma mesma pessoa ou um mesmo grupo fica no poder por mais tempo que um mandato, existe uma cristalização das configurações políticas, favorecem-se as mesmas políticas, os mesmos interesses, praticam-se os mesmos procedimentos, as mesmas alianças, existe identificação do cargo com a pessoa (personalismo do cargo) ou com o partido (partidarização do cargo), o que acirra os ânimos dos grupos e interesses desatendidos, gera rivalidades e conflitos e faz nascer um sentimento geral de insatisfação e de injustiça. Assim, para evitar todos esses males, seria preciso fomentar uma variabilidade do titular do poder político e, para tanto, seria preciso que o titular de cargo eletivo não pudesse se manter no cargo, mesmo que sob nova eleição, por mais do que um mandato inteiro.

Logo se vê que, no que se refere à discussão da constitucionalidade (material) da Emenda Constitucional nº 16, a emenda da reeleição, de 1997, por ofensa a esse requisito da temporariedade, a consideração ora do primeiro argumento, ora do segundo levaria a resultados bastante diferentes.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Explicação e justificação

Há uma distinção lógica bastante conhecida entre explicação e justificação: na explicação se procura mostrar por que e como alguma coisa aconteceu (suas causas factuais), enquanto na justificação se procura mostrar por que e como alguma coisa é correta (suas razões normativas). Se, digamos, alguém oferece uma carona a outra pessoa por puro interesse pelo que esta outra pode fazer por ela no futuro, é possível, no plano da explicação, mostrar que ela fez isso movida por interesse pessoal e, no entanto, no plano da justificação, mostrar que o ato de oferecer uma carona é correto como ato de generosidade. Ela realizou um ato altruísta (oferecer carona) movida por um interesse egoísta (obter vantagem para si), o que torna a conduta (esse conjunto de ato mais intenção) egoísta e moralmente incorreto.

Da mesma maneira, num evento como a abolição da escravidão no Brasil, é possível ao mesmo tempo dizer, no plano da explicação, que foi um ato da Coroa brasileira cedendo a pressões internacionais, especialmente da Inglaterra, que estava interessada na afirmação do capitalismo e na formação de um mercado consumidor mais amplo no Brasil, e dizer, no plano da justificação, que a abolição da escravidão é correta, uma vez que a escravidão submete um ser humano a outro de modo que viola sua liberdade e ofende sua dignidade pessoal. Quer dizer, para que a abolição da escravidão tenha sido correta, não é necessário que o motivo desse ato tenha sido a intenção de proteger a liberdade e a dignidade dos escravos. Basta que ela se justifique moralmente como afirmação dessa liberdade e dignidade.

É por isso que se deve olhar com cuidado argumentos de crítica aos direitos humanos que dizem que tal ou tal direito só serve para atender a tal e tal interesse. Isso é até possivelmente verdadeiro em certos casos, pelo menos no sentido de que a adoção desses direitos em tratados internacionais e cartas constitucionais geralmente está ligada à satisfação de interesses e objetivos que são estranhos ao plano moral e que se enraizam mais diretamente no plano político, econômico, militar e diplomático. Contudo, mesmo que seja de fato assim, isso não torna o direito assim afirmado nem um pouco mais nem um pouco menos valioso que antes. Isso porque o seu valor, especialmente o seu valor moral, não tem a ver com os motivos pelos quais os Estados os adotam ou reconhecem, e sim com as razões pelas quais podemos dizer que estão corretos. Ora, se é possível defendê-los ou sustentá-los à luz de argumentos morais, então são moralmente corretos, independentemente dos motivos mais amorais ou mesmo imorais que possam ter tido aqueles que os propuseram ou realizaram juridicamente.

terça-feira, 3 de março de 2009

Ações Constitucionais

Com exceção das ações relativas ao controle de constitucionalidade concentrado, as ações que têm sede constitucional são:

Habeas corpus: remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou coação à liberdade de locomoção, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder (CF/88, Art. 5º, Inc. LXVIII).

Habeas data: ação que tem por objeto a proteção do direito do impetrante em conhecer todas as informações e registros relativos à sua pessoa e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para eventual retificação de seus dados pessoais (CF/88, Art. 5º, Inc. LXXII, alíneas "a" e "b").

Mandado de segurança: ação contra lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data, em decorrência de ato de autoridade, praticado com ilegalidade ou abuso de poder (CF/88, Art. 5º, Inc. LXIX e LXX).

Mandado de injunção: remédio constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição (CF/88, Art. 5º, Inc. LXXI).

Ação popular: ação que visa anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. (CF/88, Art. 5º, Inc. LXXIII; Lei 4.717/65)

Ação civil pública: ação de que podem se valer o Ministério Público e outras entidades legitimadas para a defesa de interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos. (CF/88, Art. 129, Inc. III; Lei 7.3.47/85)

domingo, 1 de março de 2009

Monarquia e república

Formalmente, a diferença entre monarquia e república é que na Monarquia o cargo de Chefe de Estado, ou seja, do Rei (ou Rainha) ou do Imperador (ou Imperatriz), é hereditário e vitalício, enquanto na República o cargo de Chefe de Estado, ou seja, do Presidente (ou Presidenta), é eletivo e temporário. (Obs.: O motivo por que estou chamando o Rei ou Presidente apenas de Chefe de Estado, e não de Chefe de Governo, é para que a definição dada valha inclusive para um regime parlamentarista).

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Federalismo (I)

1 - Federalismo: O que é?

Federalismo é o nome de uma forma de Estado e de uma doutrina.

Como forma de estado, indica a situação da Federação, ou Estado federal, ou federado, que consiste num Estado formado pelo reunião de Estados. Quer dizer, um Estado organizado em dois níveis: no primeiro nível, vários Estados autônomos (Estados estaduais), dotados de territórios próprios, estruturas executivas, legislativas e judiciárias próprias, cada uma com competências próprias, com arrecadação tributária e disposição orçamentária próprias etc; no segundo nível, um Estado formado pela união dos Estados (Estado federal), cujo território se confunde com o dos Estados, mas cujas estruturas executivas, legislativas e judiciárias são distintas, bem como sua arrecadação tributária e sua despesa orçamentária.

Como doutrina, é uma corrente de pensamento que não apenas defende a superioridade da Federação sobre o Estado unitário como ainda prescreve as condições e características que uma Federação deve preencher e ter para dar certo. Vejamos com que argumentos desenvolve as duas linhas de pensamento.

2 - Os Argumentos da Oposição Federalismo X Unitarismo

Há dois debates com que a oposição entre federalismo e unitarismo tradicionalmente se relacionou: o debate entre centralização e descentralização, preocupado com a eficiência administrativa, e o debate entre concentração e limitação de poder político, preocupado com segurança e liberdade. Mais recentemente, a questão se inscreveu também no debate entre universalismo e multiculturalismo, preocupado com questões de indentidade cultural e de convivência intercultural. Vejamos as principais linhas de relação desses vários debates com a oposição entre estado federado e estado unitário.

a) Federalismo e Centralização/Descentralização: O Federalismo combinaria as vantagens e evitaria as desvantagens das duas estratégias isoladas. As vantagens da centralização são a unidade e coesão, sendo suas desvantangens a excessiva homogeneidade e rigidez. As vantagens da descentralização são a heterogeneidade e a adaptabilidade ao contexto, sendo suas desvantagens as tendências à dispersão e ao conflito. Segundo o Federalismo, uma federação bem projetada teria no Estado Federal seu elemento de unidade e coesão, que não degeneraria em excessiva homogeneidade e rigidez por ter que interagir com os Estados estaduais; por outro lado, teria nos Estados estaduais seu elemento de heterogeneidade e adaptação ao contexto local, que não degeneraria em dispersão e conflito porque tais tendências seriam contidas pelo Estado federal. Uma Federação bem projetada teria, assim, o necessário equilíbrio entre centralização e descentralização.

b) Federalismo e Concentração/Limitação do Poder: Assim como acontece com a repartição de poderes entre as funções legislativa, executiva e judiciária, também a repartição de poder entre unidade estadual e unidade federal seria um instrumento de controle com vista a evitar o autoritarismo e promover a liberdade. Mas como é possível diminuir o autoritarismo e aumentar a liberdade tendo dois Estados (o federal e o estadual) com autoridade sobre o cidadão, em vez de um só? É que, em tese, numa federação bem projetada, sua repartição de competências estaria feita de tal forma que, a cada vez que um deles fosse além de sua competência, estaria invadindo a competência do outro, de modo que seria do interesse de ambos fiscalizarem-se e controlarem-se reciprocamente. Dessa forma, o cidadão poderia estar mais seguro contra abusos do Estado federal, porque o Estado estadual os fiscalizaria e reagiria contra eles, e mais seguro contra abusos do Estado estadual, porque o Estado federal os fiscalizaria e reagiria contra eles. Haveria, assim, um esquema de freios e contrapesos entre Estado federal e Estado estadual.

c) Federalismo e Universalismo/Multiculturalismo: Nas sociedades modernas, marcadas por uma pluralidade de culturas e subculturas que dividem e disputam o mesmo espaço geográfico, o mesmo mercado de produção, de consumo e de emprego e o mesmo poder político, o Federalismo ganharia uma terceira função: além de combinar inteligentemente as vantagens da centralização e da descentralização, além de garantir a liberdade do cidadão mediante um sistema de freios e contrapesos entre Estado federal e Estado estadual, teria também a função de criar um ambiente intercultural de convivência, pois, numa federação bem projetada, enquanto a esfera estadual, mais próxima dos grupos culturais, estaria mais apta a refletir sua diversidade, a dar-lhes condições de expressão não reprimida de sua identidade, a esfera federal, mais distante, estaria ocupada de criar condições universais de convivência entre os diversos grupos, de modo não identificado com nenhum deles em especial, embora preocupado com todos eles em geral. Nesse contexto, o Estado estadual seria um instrumento de expressão de identidade cultural, enquanto o Estado federal seria um instrumento de construção e manutenção de condições de convivência intercultural.

Que o Federalismo desempenhe bem esse triplo papel, porém, depende da existência da tal "federação bem projetada". E é aí que os debates se acirram e que as discordâncias vêm à tona. Uma só legislação penal federal é uma questão de unidade e coesão, ou é um sintoma de excessiva homogeneidade e rigidez? A falta de interferência da administração estadual na federal, e vice-versa, é um corolário da autonomia política de uma e de outra ou é uma falta de proteção ao cidadão vitimado pela negligência política de ambos? Como devem ser repartidas as receitas tributárias? Aborto, eutanásia, pena de morte, casamento homoafetivo, adoção por homossexuais, menoridade penal: quais desses devem ser fixados aos sabor da diversidade cultural, e quais devem ser universais, como condições básicas de convivência entre todas as culturas e subculturas de um mesmo país? A discussão sobre Federalismo fica realmente interessante e instigante quando se chega nesses pontos sensíveis.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A Constituição de 1824

Declarada a Independência política do Brasil em 1822, organizou-se a partir de 1823 uma assembléia nacional constituinte, cujos trabalhos acabaram interrompidos e dissolvidos pela interferência de Dom Pedro I, que montou uma equipe, formada por pessoas de sua confiança pessoal, para elaborar um projeto, que se transformaria na Constituição outorgada de 1824, a primeira e mais duradoura das constituições brasileiras. Algumas das características principais dessa constituição eram:

A forma unitária de Estado: Ou seja, o Brasil, em vez de ser uma federação formada por vários estados, como é hoje, era um estado único ou unitário, dividido em províncias, carentes de autonomia política, e governado a partir de um governo central, sediado na capital, o Rio de Janeiro.

A forma monárquica de governo: O Brasil era oficialmente uma monarquia, cujo chefe de Estado e de governo era o Imperador Dom Pedro I, sendo sua sucessão hereditária e sua descendência considerada a Dinastia imperante.

A divisão de poderes: Adotava-se a divisão clássica de poderes, entre legislativo, executivo e judiciário, com acréscimo, ainda, de um quarto poder, o poder moderador, inspirado na sugestão, do pensador francês Benjamin Constant, de que era preciso um poder neutro, o "poder real", cuja função fosse promover a coordenação e o equilíbrio entre os demais poderes. Contudo, o poder moderador, tal como imposto pela Constituição de 1824, era bem mais que um poder neutro, coordenador e equilibrador, era um verdadeiro superpoder, dotado de prerrogativas de mando, de fiscalização e de veto sobre quase todo cargo e toda decisão dos demais poderes. Foi, na verdade uma forma de instaurar uma monarquia absolutista sob a forma disfarçada de uma monarquia constitucional.

O poder legislativo: Como o Estado era unitário, havia apenas na esfera nacional, representado na Assembléia Geral, órgão bicameral formado da Câmara de Deputados, com representantes eleitos pelo povo e com cargo temporário, e do Senado, com representantes indicados pelo Imperador e com cargo vitalício.

O poder executivo: Tinha como chefe máximo o Imperador e era também exercido, na escala nacional, pelos Ministros de Estado nomeados por ele e, na escala local, pelos presidentes das províncias, também indicados pelo Imperador entre suas pessoas de confiança e demissíveis "ad nutum".

O poder judiciário: Era exercido em três graus: os juízes monocráticos, na esfera mais local das cidades, os Tribunais de Relação, na esfera das províncias, com competência recursal e para ações de maior vulto, e o Supremo Tribunal de Justiça, com sede no Rio de Janeiro, com competência recursal e ações de foro especial.

O poder moderador: Na prática, o maior, mais poderoso e menos limitado de todos os poderes do Império. Era um verdadeiro poder absoluto, que tudo mandava, tudo controlava, tudo fiscalizava. Estava, naturalmente, concentrado nas mãos do Imperador, por quem era exclusivamente exercido.

O voto censitário: Havia vários requisitos para o exercício dos direitos políticos, entre os quais requisitos de renda: uma renda anual mínima de duzentos mil-réis para poder votar na eleição dos deputados, uma renda anual mínima de quatrocentos mil-réis para ser votado para deputado e uma renda anual mínima de oitocentos mil-réis para ser indicado, pelo Imperador, a senador. Como o requisito de renda era não apenas para votar, mas também para ser votado, seria mais exato falar em "cidadania censitária", do que apenas em "voto censitário".

Os direitos civis e políticos: O Art. 179 da Carta de 1824 elencava uma longa listagem de direitos fundamentais dos cidadãos, que incluía, no conteúdo e na terminologia adotada, vários dos direitos contantes do atual Art. 5º da CF/88. A Constituição de 1824 foi, aliás, uma das primeiras do mundo a trazer um rol tão detalhado de direitos e a dar a eles uma ênfase tão grande. Contudo, deve-se recordar que, dada a falta de limites impostos ao Poder Moderador, que implicava, na prática, num regime absolutista, tais direitos, embora explicitamente previstos e detalhadamente elencados, não constituíam uma garantia real aos cidadãos contra as possíveis interferências e abusos do Estado.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Bibliografia para Direito Constitucional II

Bom, o blog, embora voltado em princípio para os meus alunos, não está dirigido apenas a esse público, mas está escrito de modo tal que possa ser útil inclusive ao visitante eventual e anônimo. Contudo, permito-me uma licença para anunciar a bibliografia com que trabalharei em Direito Constitucional II, sob a desculpa de que tal bibliografia também pode ser de alguma utilidade para estudantes de direito que não tenham o karma de estar sob minha supervisão docente. Indico abaixo as obras principais, seguidas de um comentário.

1) J. J. Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Lisboa: Almedina, 2003. (R$ 249,00 no site da Livraria Cultura)

Não é apenas o melhor livro disponível na disciplina, como é um dos melhores livros de Direito em língua portuguesa e do mundo. O autor, brilhante constitucionalista português, faz um exame que vai muito além da exposição competente do Direito Constitucional positivo português, porque examina os temas mais relevantes do constitucionalismo contemporâneo, sempre a partir de sólidos fundamentos históricos e de diversos referenciais teóricos. Desvantagem: não é um livro para iniciantes e pode deixar o aluno um pouco perdido num primeiro momento.

2) Paulo Bonavides - Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. (R$ 79,12 no site da Companhia dos Livros)

É o melhor entre os manuais de autores brasileiros. O autor tem uma formação rica e sólida em história constitucional, em ciência política e em teoria geral do Estado. Suas análises teóricas são mais completas e mais profundas que as dos demais. Desvantagem: não tem uma linguagem tão acessível quanto de outros manuais.

3) Gilmar Ferreira Mendes - Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. (R$ 114,90 no site da Livraria de Direito)

Gilmar Mendes, cuja imagem ficou tão manchada pelo caso Daniel Dantas e pela súmula do uso das algemas, é, contudo, um dos mais bem preparados constitucionalistas do país, com formação, ao nível de posgraduação, num dos centros mais efervescentes do pensamento constitucional contemporâneo, que é a Alemanha, e com relatórios e votos distinguidos por sua argumentação sólida e seu rigoroso tratamento teórico. Seu livro é das melhores literaturas disponíveis. Desvantagem: não cobre todos os pontos dos programas regulares de Direito Constitucional.

4) José Afonso da Silva - Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. (R$ 77,19 no site da Livraria Última Instância)

Um clássico da disciplina, de leitura obrigatória até mesmo nos seus capítulos mais fracos, porque vem orientando e continua a orientar boa parte da reflexão teórica e da fundamentação judicial em Direito Constitucional. Desvantagem: Usa uma linguagem um tanto desnecessariamente rebuscada e é bastante superficial em alguns pontos.

Agora minha dica pessoal:

5) Uádi Lammêgo Bulos - Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva: 2008.(R$ 119,30 no site da Companhia dos Livros)

Autor menos conhecido e festejado, mas excelente livro, bastante completo (acredito que seja o mais completo, depois, claro, do Canotilho, que é hors concours) e analítico, com abordagem de ampla gama de teorias.